A questão da origem da vida é, tão antiga como a capacidade de refletir, mas na segunda metade do século XIX o debate tornou-se intensamente acalorado na comunidade científica. Tendemos a acreditar que a concepção moderna foi moldada de maneira rápida e decisiva.
Hoje acreditamos que poderíamos responder a todas as perguntas com relativa facilidade, mas no século XIX as técnicas para se determinar o que era estéril e o que era vivo estavam sendo estabelecidas. Mesmo o que contava como vida não estava claro. O que era considerado ar estéril também não estava claro.
A capacidade de produzir novos indivíduos vivos é uma característica básica de todos os organismos. Os cientistas antigos por muitos séculos acreditaram que várias formas de vida originavam-se de materiais não-vivos por geração espontânea. Essas idéias errôneas foram gradualmente abandonadas depois de Francesco Redi ter demonstrado, em 1668, que larvas e moscas na carne somente se moscas vivas aí tiverem colocado seus ovos.
A célula, menor unidade de matéria viva que pode existir de maneira independente, capaz de reproduzir-se, permaneceu desconhecida até a invenção do microscópio composto.
Em 1664, Robert Hooke, microscopista e membro da Sociedade Real, comunicou que secções finas de cortiça e outros materiais vegetais continham minúsculas partições separando cavidades às quais denominou células.
Antony Van Leeuwenhoek, um dono de armarinho, pouco letrado, passou 120 mil horas durante 61 anos fabricando microscópios. Construiu um microscópio com o qual podia ver objetos incrivelmente pequenos. Embora não tivesse boa formação, ele era respeitado como homem de integridade entre os cidadãos de Delft. Durante cinqüenta anos continuou a mandar suas hoje famosas cartas científicas para a Sociedade Real.
Em 1673, seu primeiro relatório descreveu a aparência do mofo comum, assim como o olho, o ferrão e a boca de uma abelha.
No ano de 1675, sua famosa Carta 18, falava da descoberta da existência de pequenas criaturas na água da chuva que permaneceu apenas alguns dias dentro de uma tina nova pintada de azul. Percebeu que “esses pequenos animais, eram mais de 10 mil vezes menores do que a pulga-d’água ou piolho-d’água. Ficou particularmente fascinado com os “pequenos animais” que viu possuírem diminutas “pernas” ou “caudas” que lhes permitiam correr daqui para ali por toda a minúscula gota de água que constituía o seu mundo. Analisou também a água do seu poço e do mar.
Em 1678, Robert Hooke, microscopista da própria sociedade, verificou e apoiou as observações de Leeuwenhoek. Dois anos depois, Leeuwenhoek foi convidado a se tornar membro da Sociedade Real.
Em 1683, na Carta 39, descreveu o exame microscópico da própria saliva e de raspas da placa aderida a seus dentes. Ele estudou também seu próprio sangue e ficou surpreso de ver que era constituído em grande parte por glóbulos vermelhos. Mas, foi o exame microscópico do seu próprio sêmen que o surpreendeu, observou que todos os animálculos eram iguais: possuíam caudas e corpos que consistiam basicamente numa só cabeça, e todos se deslocavam de um lado para outro da gota de líquido seminal.
Foi designado fundador da bacteriologia e da protozoologia por Clifford Dobell e por William Bullock, autor dos melhores livros de história da bacteriologia.
Porque outros cientistas, que tiveram microscópio à disposição, deixaram de distinguir a existência de criaturas invisíveis ao olho humano? Porque eles não cogitaram, que podiam existir objetos de algum tipo em líquidos como água, sangue ou sêmen, invisíveis a olho nu.
Louis Pasteur nasceu em Dole, na região do Jura, França em 1822. Seu interesse pelo fenômeno da fermentação se deve ao fato de ter vivido em meio a vinhas desde os quatro anos de idade, quando a família se mudou de Dole, para Arbois, onde fez seus primeiros experimentos. Dado a decisões precipitadas e ataques caprichosos, sabia ser metódico e paciente. E era excepcionalmente propenso a se valer de descobertas feitas ao acaso.
Foi no último ano de faculdade, quando trabalhava em sua tese, ao selecionar dois grupos de cristais de tartarato que apresentavam uma pequena diferença em uma de suas faces, percebeu que o primeiro grupo desviava a luz polarizada para a esquerda e o segundo grupo não conseguia de modo algum desviar a luz polarizada: ele era composto de cristais que desviavam a luz polarizada para direções opostas e, portanto, um neutralizava o outro – surgia assim a estereoquímica (parte da química que estuda a disposição espacial dos átomos nas moléculas).
Em 1857 Pasteur deixou o mundo das substâncias químicas não vivas e suas reações, para entrar no mundo invisível mas vivo de minúsculas plantas e animais ainda menores – o mundo de Leeuwenhoek. Sua pesquisa se volta para o entendimento dos processos de fermentação e putrefação a pedido dos fabricantes de cerveja e vinho para descobrir o que estava comprometendo o processo de produção de ambas as bebidas. Ele partiu do princípio de que os “fermentos” podiam ser microrganismos, que interferem na composição química do meio e transformam moléculas. À época, prevalecia a idéia da geração espontânea. Com o auxílio dos famosos balões com pescoço de cisne, Pasteur mostrou que a presença de organismos microscópicos do ar atmosférico era a fonte de “contaminação” dos meios de cultivo em contato com o ar. Mais tarde ele concluiria que a fermentação era uma conseqüência da vida sem ar (oxigênio).
Fermentação – Pasteur descobriu que o processo da fermentação de que dependia a produção de cerveja e de vinho era provocado por diversas leveduras. Evidentemente o impacto dessas descrições sobre a produção e o melhoramento de queijos, vinhos, cervejas, vinagres e outros produtos de fermentação foi notável, o que explica, em parte, a qualidade de alguns desses produtos na França.
Pasteurização – Pasteur descobriu e demonstrou métodos para prevenir o depósito e crescimento de leveduras aéreas perdidas que haviam prejudicado tão seriamente as indústrias de vinho e cerveja. Onde frascos contendo substâncias orgânicas – leite, água de levedura, infusões de feno, etc. são primeiramente fervidos para destruir qualquer forma de vida presente. O vapor empurra o ar para fora dos frascos, que são, então, selados.
Putrefação – Depois de salvar as indústrias de bebidas francesas, um de seus ex-professores o convenceu a investigar uma doença que estava dizimando os bichos-da-seda responsáveis por uma das principais indústrias rurais da França. Para Pasteur, os processos de putrefação eram causados por microrganismos, que vinham destruindo os pequenos bichos-da-seda. Mas, não foi capaz de identificar o germe que acreditava ser o responsável por ela. O que conseguiu foi desenvolver métodos de rápida detecção da doença dos bichos-da-seda, bem como, por meio de meticuloso isolamento e métodos higiênicos, impedir a disseminação da doença e por fim eliminar a epidemia.
O experimento simples de Pasteur deveria ter aniquilado a idéia de que matéria viva podia surgir de material não vivo. Mas o conceito de geração espontânea persistiu na cabeça de alguns investigadores até o aparecimento dos estudos claros e definitivos sobre a natureza bacteriana das partículas do ar realizados pelo físico inglês John Tyndall em 1876-1877.
Pasteur era o cientista mais reverenciado da França, talvez do mundo. Não há dúvida de que seu interesse se transferiu da química para os animaizinhos de Leeuwenhoek. Embora não fosse médico, obteve amostras do sangue do útero e de exsudações dos corpos de mães parisienses que haviam acabado de morrer de febre puerperal. Ao examinar ao microscópio as várias amostras e fazer culturas, descobriu um microrganismo que parecia ser composto de uma série de pequenas contas (hoje chamados de estreptococos).
Em 1878, Pasteur voltou sua atenção para os organismos que provocavam cólera nas galinhas. As galinhas nas quais ele injetava uma cultura de germes de cólera morriam em 24 horas. Um dia, porém, ele injetou em duas galinhas uma cultura que não era fresca. As duas galinhas logo adoeceram, todavia se recuperaram. Tempos depois, ele inoculou cultura fresca de cólera em todas as galinhas inclusive nas duas sobreviventes. Todas as outras galinhas morreram no dia seguinte – menos as duas que já haviam sobrevivido uma vez. Ao contrário das outras, estavam vivas e bem. Ficou deslumbrado porque entendeu de pronto que havia feito a maior descoberta de sua vida. Pasteur inicialmente desenvolveu a fantasia de que a injeção de uma cultura envelhecida ou enfraquecida de germes de cólera não apenas protegeria um animal contra uma posterior infecção de cólera, mas, também, forneceria proteção contra todas as outras doenças. Após alguns meses, a realidade se impôs: a injeção de uma cultura velha de germes de cólera fornecia ao animal que a recebesse proteção futura apenas contra cólera. Foi essa percepção que deu origem à vacinação bacteriana.
Após tomar conhecimento da descoberta feita por Koch de que o bacilo (germe) antraz causava antraz e de já ter descoberto a vacina contra a cólera, pensou ele, que poderia proteger um animal contra o antraz se nele se inoculasse uma cultura de bacilos do antraz enfraquecida pelo tempo. Sua intuição se revelou correta. Depois de muitos ensaios de tentativa e erro, ele descobriu que se culturas de bacilos do antraz fossem cuidadosamente atenuadas por envelhecimento, elas em geral seriam capazes de proteger um animal contra uma segunda injeção de uma cultura letal de bacilos do antraz. Foi um triunfo magnífico para Pasteur. Mais uma vez, ele era um herói nacional, e internacional também. Pasteur e seus assistentes se viram cercados por milhares de criadores de gado e carneiros atrás de sua mágica vacina antiantraz. Pasteur não havia aperfeiçoado um sistema de preparação da vacina que garantisse sua não-toxicidade e ao mesmo tempo seu potencial de prover de imunidade os animais nos quais ela fosse inoculada. Logo, ocorreram muitos casos em que a injeção da vacina matou carneiros e vacas, e outros casos em que ela deixou de fornecer proteção contra um posterior ataque de antraz. Koch ciente dessas perigosas falhas descobriu que muitas vezes as culturas estavam contaminadas por outras bactérias além do antraz e que com freqüência os bacilos do antraz, insuficientemente atenuados, eram mortais.
Em 1882 ele começou a estudar uma doença perversa e sempre fatal, a raiva. Observando uma demora entre o momento em que um homem ou um animal eram mordidos e o aparecimento dos sintomas da raiva, e notando que esses sintomas surgiam sobretudo de um cérebro e medula espinhal perturbados, Pasteur concluiu inteligentemente que o agente infeccioso devia viajar pelos nervos periféricos para acabar se concentrando no cérebro e na medula espinhal.
O acaso dessa vez foi um cão. Embora tivesse contraído raiva ao ser mordido por outro cão infectado com raiva, ele recuperou-se totalmente. Pasteur passou a injetar tecido medular obtido de coelhos infectados com raiva. Só que primeiro aplicava extratos de medula espinhal atenuados por envelhecimento de vários dias antes da injeção. Após muitas tentativas, descobriu que no 14º dia os cães podiam receber extrato de medula fresco. Ao contrário da pressa e impaciência com que produzira a vacina antiantraz, Pasteur procedeu com cautela nesses experimentos.
Um dia, uma aflita mãe francesa levou seu filho para Pasteur, implorando-lhe que salvasse o menino. Dias antes ele havia sido gravemente mordido por um cão raivoso. Pasteur mandou o menino para dois médicos. Quando esses médicos viram os ferimentos inflamados, ambos insistiram que Pasteur administrasse a terapia à criança e a criança se salvou.
Poucas semanas depois, dezenove camponeses russos que haviam sido mordidos duas semanas antes por um lobo raivoso foram procurar a terapia de Pasteur. Dezesseis dos camponeses sobreviveram.
Conforme sabemos agora, houve muitas maneiras pelas quais os experimentos de Pasteur poderiam, e deveriam, ter dado errado. A suposição é de que eles deram errado, mas que Pasteur sabia o que deveria contar como resultado e o que deveria contar como erro. Assim surgiu a estereoquímica, a pasteurização e a imunologia.
O Instituto Pasteur foi importante não tanto pelas pesquisas que aí passaram a ser realizadas, mas pela criação do conceito de campanha de vacinação preventiva e regular, prática difundida no mundo inteiro desde então. Há Institutos Pasteur em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é um dos membros da Rede de Institutos Pasteur no mundo.
BIBLIOGRAFIA
Anthony Leeuwenhock e as bactérias. In: Friedman, Meyer e Friedland, Gerald. As dez maiores descobertas da Medicina. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
COLLINS, HARRY; PINCH, TREVOR. (2000) O Golem – o que você deveria saber sobre ciência. São Paulo: UNESP (Cap 4 - O gérmen da discórdia: Louis Pasteur e a origem da vida).
MOREIRA, ILDEU de CASTRO. ROBERT HOOKE - 1635-1703. Retrato da pesquisa quando jovem. In: Jornal Folha de São Paulo/ domingo, 02 de novembro de 2003.